DE ONDE NASCEM OS LIVROS?

Escrever um livro é como parir um filho. Você vai mexendo, mexendo, remexendo. E quando rompe a bolsa, as contrações causam todas as dores imagináveis. E começa, como um filho, no relacionamento: Namoro de uma ideia, no flerte com alguma coisa que não sai de sua cabeça. E quando nota, está grávido daquilo. A ideia precisa sair de sua cabeça e respirar no mundo. Ganhar forma.
É justamente nesse ganhar forma que as coisas se complicam.

Na hora de colocar no papel a ideia em gestação você vomita, cospe, se contorce. As palavras se torcem e as frases se encaixam. É como uma convulsão, mas uma convulsão semi-orquestrada. Esse primeiro momento é o mais volumoso em termos de criação e trabalho – você vai jogando todas as suas ideias, uma sucedendo à outra como notas musicais. Cada personagem e cada cena são esforços diferentes. E depois, na reescrita, vai refinando o traço até chegar numa arte-final, como um desenhista. Essa última parte é muito importante e pode de fato demorar eras. Eu, por exemplo, escrevo e reescrevo obsessivamente, a fim de chegar num formato, numa plasticidade que me agrade. Não apenas em termos de construção das frases, mas de aparência mesmo. Eu passo boa parte dessa reescrita colhendo cacos, colando fragmentos. Descartando palavras, adicionando outras. Às vezes deletando ou adicionando frases inteiras, movendo parágrafos. Cenas inteiras que achei aceitáveis enquanto escrevia, na reescrita foram totalmente excluídas porque senti, por alguma razão, que não eram boas o bastante. Se você é capaz de amputar uma cena inteira, não fique surpreso se você selecionar o capítulo inteiro e apertar delete. Aliás, meu conselho é justamente para não ter pena de fazer isso. Fico imaginando como seria esse trabalho sendo feito antigamente, numa velha máquina de escrever. No computador, é simplesmente uma questão de copiar e colar, ou usar a santa tecla do backspace. Mas imagine isso numa ancestral Olivetti, batendo tipos numa folha sulfite?
Conheço autores que trabalham minuciosamente neste primeiro momento de escrita. Não escrevem como se estivessem vomitando, escrevem como quem executa uma música mesmo, como um compositor metódico. Trabalham com um organograma, traçam num esboço o início, o meio e o fim, separando os três atos como quem coreografa uma dança. Acho isso impressionante, é sério. Eu já tentei, mas particularmente essa fórmula acaba inibindo o meu processo criativo. É necessária uma espécie de disciplina criativa, ou convicção de ideias, que talvez eu não tenha. No meu caso, a escrita acaba sendo mais catártica, e talvez por isso eu me demore tanto na reescrita, no afunilamento e refinamento do texto.

Em oficinas direcionadas a autores de ficção, aprendemos isso: Organizar as ideias em três atos, e operar o texto em cima desse conceito organizacional. Isso é bastante útil, é uma ferramenta valorosa. Compreender como se estrutura um romance é fundamental para que você possa escrever o seu de forma eficiente e elegante. “Elegante” que eu digo não é apenas uma informação estética: Estou falando de leveza e ritmo, narrativa e tom.

Já leu algum livro que parece ser uma música desarranjada?

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